Anna O.: O Que Freud Não Contou?

    


    Anna O. foi a primeira paciente da psicanálise. Digo da Psicanálise porque ela não era paciente de Freud — na verdade, Freud nunca a atendeu. Seu contato com o caso de Anna O. se deu por meio de Josef Breuer, seu mentor e amigo pessoal. Na ocasião, Freud ficou curioso e surpreso com o método empregado por Breuer no tratamento da histeria: a hipnose.

    Quinze anos separam os atendimentos de Bertha Pappenheim, nome verdadeiro de Anna O., da publicação do caso em Estudos sobre a Histeria (1895). Nesse período, Freud concluiu seus estudos em medicina e entrou em contato com as experiências de Charcot, que também utilizava a hipnose para tratar a histeria. Era uma área ainda pouco explorada, e Freud enxergou ali a oportunidade de se tornar um grande desbravador e ser lembrado por suas pesquisas. Assim, convenceu Breuer a publicar o caso, mesmo contra a vontade do amigo.

    O caso foi retomado em 1909, no primeiro dia de uma semana de conferências ministradas por Freud na Clark University, nos Estados Unidos. Posteriormente, essas conferências foram escritas e publicadas como As Cinco Lições de Psicanálise (1910).

    Quando leio este texto não consigo não me perguntar: Anna O. realmente não tinha sentimentos hostis em relação ao pai moribundo? Freud fala sobre sentimentos de pesar em relação à doença e morte do pai por parte da filha, mas não conta detalhes sobre a relação anterior entre filha e pai antes do adoecimento dele.

    Como foi a infância de Bertha Pappenheim ao lado desse pai? Que pai ele foi para ela? Que sentimentos mais estavam envolvidos nesse luto? Poderia ter sido um luto complicado, no qual a ambivalência estava muito elevada?

   Freud não tinha muitas informações e nem chance para investigá-las, já que o médico de Bertha era Breuer e as sessões haviam acontecido há quinze anos atrás. Então ele deduz que a causa da neurose era a força de uma emoção reprimida. Ele explica que, diante de uma “emoção poderosa” que não pôde ser expressa de forma adequada — por meio de palavras, gestos ou expressões faciais —, a paciente de Breuer desenvolveu sintomas com uma ligação simbólica aos sentimentos reprimidos.

    Mas por que essa emoção era tão poderosa para Bertha? O que a levou a sentir tanta angústia ao ver sua dama de companhia dar água para o cachorro no copo ou ao despertar ao lado da cama de seu pai doente?

    Após a publicação de Estudos Sobre a Histeria, Freud publica a Etiologia de uma Histeria (1896), na qual defende a teoria da sedução como causa para as neuroses. Logo no ano seguinte, porém, ele abandona essa teoria, deixando sem explicação porque algumas pessoas desenvolvem sintomas neuróticos e histéricos e outras não. A teoria da sedução tinha como explicação para esse problema o abuso do adulto, a invasão violenta da sexualidade adulta na psique da criança. A partir de então Freud se voltou ao fator psicogenético e a sexualidade infantil para explicar a etiologia das neuroses. 

    Penso que não se pode descartar o fator genético. Mas Freud perdeu muito ao virar as costas para sua teoria da sedução e desmentir suas histéricas (MOURA, 2020). Fiquei me questionando por que Anna O. se transformou em defensora dos direitos das mulheres, escreveu sobre o tema e o que mais fez para sublimar sua angústia, que podia não estar ligada somente ao luto e à perda do pai, ou ao fato de estar cansada de estar ao lado da cama do moribundo.

    Anna O. se curou de outra forma, não pelo tratamento de Breuer, como diz Freud em As Cinco Lições de Psicanálise. Para mim, foi uma cura pela sublimação. O que ela sublimou?

    Detalhes da vida de Bertha Pappenheim nunca saberemos, mas podemos exercitar nossa imaginação e fazer uma leitura crítica dos textos de Freud utilizando os conhecimentos da psicanálise que temos hoje.


Referências

Freud, Sigmund – As Cinco Lições de Psicanálise
FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise (1910). In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

Freud, Sigmund – Etiologia da Neurose
FREUD, Sigmund. A etiologia da histeria (1896). In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

MOURA, Luiza. Ferenczi e Winnicott: análise de adultos na língua da infância. 3. ed. São Paulo: Artesã Editora, 2020.

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