Por que é tão difícil mudar? Entenda a repetição de padrões a partir do filme Steve
Mudar é uma das experiências mais desejadas e, ao mesmo tempo, mais difíceis para qualquer pessoa. Mesmo quando queremos transformar algo em nossas vidas, muitas vezes nos vemos repetindo os mesmos padrões, escolhas e comportamentos. Mas por que isso acontece? O filme Steve oferece uma ótima oportunidade para pensar sobre essa pergunta.
Neste artigo, vamos explorar por que é tão difícil mudar, como a repetição inconsciente atua na nossa vida e como a psicanálise pode ajudar nesse processo — tudo isso a partir da história de Shy, um adolescente que luta para ser acolhido.
A história de Shy em Steve: quando faltar acolhimento impede a mudança
No filme, Steve é diretor de uma escola voltada para reabilitar adolescentes vindos de contextos sociais complexos. Entre eles está Shy, um jovem explosivo, deprimido e com grande dificuldade de confiar nos adultos ao seu redor.
Descobrimos que sua família não consegue acolhê-lo. Em uma cena dura, sua mãe diz que não quer mais contato, afirmando que Shy “não muda”. Esse rompimento revela o que o psicanalista Ferenczi descreve como a experiência da criança mal acolhida — aquela que vivencia um trauma real de rejeição e sente que não é bem-vinda no mundo.
Essa falta de acolhimento precoce explica por que é tão difícil para Shy receber ajuda, mesmo quando Steve insiste em estar presente.
Por que é tão difícil mudar? A repetição inconsciente
Mesmo vivendo situações novas e mais favoráveis, Shy continua agindo como se estivesse preso ao passado. E isso é mais comum do que parece.
Todos nós, de alguma forma, repetimos padrões que não desejamos:
permanecemos em empregos que não nos satisfazem,
insistimos em relações que nos fazem mal,
reagimos de maneira desproporcional a situações específicas,
voltamos a velhos hábitos sem perceber.
Essa dificuldade de mudar tem relação com motivações inconscientes — desejos, dores e fantasias primitivas das quais não temos consciência. Mudar exige abrir mão de algo, fazer luto, abandonar ilusões antigas. É isso que torna o processo tão custoso.
Quando mudar exige luto: um exemplo pessoal
Recentemente, precisei mudar meu local de trabalho. Eu queria muito essa mudança, mas resisti.
Por quê?
Mudar significava conquistar meu próprio espaço, do meu jeito, sem pagar aluguel. Mas também significava abrir mão do sonho de manter uma clínica maior, com vários profissionais, onde trocas e parcerias seriam possíveis.
Eu precisei reconhecer que, para cuidar bem dos meus pacientes, teria que renunciar a esse sonho — renunciar a algo inconscientemente importante para mim.
E é exatamente nesse ponto que muitos de nós travamos: para mudar, é preciso perder alguma coisa, mesmo que essa perda seja simbólica.
Como a psicanálise ajuda na mudança real?
Entender racionalmente a origem dos nossos padrões não é suficiente para mudar. Por isso a psicanálise não se baseia apenas em explicações, mas no vínculo.
Assim como Steve tenta oferecer a Shy uma relação estável, o analista, na análise, oferece repetidamente uma experiência emocional nova. Uma forma diferente de ser visto, ouvido e acolhido.
Através dessa convivência no setting analítico:
o paciente internaliza partes da mente do analista,
desenvolve novos recursos emocionais,
revive traumas de forma transformada,
e, aos poucos, deixa de perseguir reparações impossíveis do passado.
É assim que a mudança se torna viável: pela repetição de experiências novas, consistentes e cuidadosas.
A esperança de Shy e o potencial de mudança
No final do filme, Shy tenta tirar a própria vida, mas desiste — e é acolhido em um abraço coletivo.
Há ali uma mensagem poderosa: a mudança acontece quando o acolhimento se torna possível, mesmo que tarde, mesmo que aos poucos.
Na análise, esse é o trabalho: estar junto, quantas vezes forem necessárias, até que o inconsciente permita, enfim, um movimento diferente.

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