Violência nas escolas: o que diz a psicanálise?

    

    


    Nas últimas semanas temos sido informados de violentos acontecimentos no ambiente escolar. Segundo a mídia em oito meses foram nove ataques nas escolas no Brasil. É comum que enquanto sociedade a gente se pergunte os porquês na tentativa de entender e solucionar o problema. Penso que a psicanálise tem uma contribuição importante a dar sobre o tema. Como psicanalista algumas perguntas me vieram a mente: o que aconteceu, no curso do desenvolvimento, para que uma pessoa decidisse, quando adulta, entrar em uma escola e matar várias crianças e adolescentes? Porque são especificamente as escolas o alvo? O que podemos fazer para impedir que novos casos se repitam?

    Para responder a primeira questão precisamos pensar no conceito de narcisismo. Durante o nosso desenvolvimento o narcisismo vai se constituindo quando acreditamos ser a pessoa mais importante na vida dos nossos pais, quando sentimos que somos o ser mais amado da vida deles. Esse sentimento de "ser o mais importante", "o mais amado", é essencial para que vá se criando uma confiança dentro de nós de que temos valor, somos amados. A crença de "ser o mais amado" pode até não permanecer na vida adulta, mas permanece o sentimento de "eu fui amado por alguém e sou uma pessoa que os outros podem amar". Quando há uma falha nessa fase, quando a criança não se sentiu amada o suficiente e não conseguiu construir dentro de si esse sentimento, uma das consequências possíveis é que essa criança sinta ódio. Ódio pelo que não teve, ódio por não ter sido amada o suficiente, por não ter sido olhada ou percebida como precisava. Pode ser que quando adulto essa pessoa não consiga se lembrar do porque sente tanto ódio, mas o ódio está lá. 

    Nem todas as pessoas que não tiveram seu narcisismo bem estabelecido se transformam em assassinas de crianças em escolas. Há diferenças nesse processo que só uma analise poderia apontar. Mas posso dizer que quando acontecem movimentos na sociedade em que o ódio é exaltado, em que grupos começam a se formar nas redes sociais para incentivar o ódio já existente dentro dessas pessoas, temos um caldo perigoso. Nos últimos anos observamos no Brasil o incentivo a violência, ao ódio, as armas, a fazer justiça com as próprias mãos por parte de pessoas influentes. Começam a se formar na mesma época, e não é coincidência, grupos em redes sociais onde o ódio é o tema que une as pessoas e a competição é entre quem mata mais em um ataque as escolas. O prêmio é ser visto, ficar conhecido pelo Brasil todo como a pessoa que matou mais, finalmente ele conseguiu ser o melhor em algo. É como se esse agressor dissesse: "não fui digno de ser amado, não me senti importante, mas agora que eu matei muitas pessoas eu sou muito importante, vocês vão ter que falar de mim, vão ter que me ver." Imagine essa fala envolta de muito ódio. 

    Sobre a segunda pergunta que me propus a responder nesse artigo, penso que as escolas são o segundo meio social em que somos inseridos. O primeiro é a família. É na escola onde reproduzimos a forma de se relacionar que aprendemos com os nossos pais. Transferimos os sentimos que tínhamos para com os nossos pais para nossos colegas e professores e buscamos neles o que gostaríamos de ter recebido de nossos pais. E esse processo acontece ao longo da vida toda em um sentido patológico, trocamos os atores mas a história continua a mesma. Não raro esse período escolar fica marcado em nossas mentes. É mais fácil sentir ódio dos colegas e professores do que dos pais. É mais fácil lembrar dessa época porque já somos mais crescidinhos, porém a mente ainda é extremamente frágil na infância e a dificuldade em lidar com sentimentos muito fortes tem a força do trauma. Junta-se a isso, a tendência a desvalorização das escolas e do ensino presente nos discursos de novo de pessoas muito influentes, que muitas vezes estão repletos de ódio pelos professores.

    Diante de tanta complexidade, o que podemos fazer para impedir que casos de violência se repitam? Qual é o papel que cada um de nós tem na tentativa de mudar esse cenário de violência das escolas? Por tudo que escrevi pode-se perceber que reforçar a segurança é uma medida paliativa e que não soluciona o problema em sua raiz. Penso que devemos primeiro pensar em qual sociedade queremos viver. Se queremos paz precisamos falar de paz. Temos de ter a consciência de que um discurso de ódio gera ódio e não paz e segurança. Outro fator é que não podemos dar palco para os agressores. Mostrar a cara dos assassinos na televisão faz com que o objetivo deles seja cumprido, damos a recompensa, fazemos com que se sintam importantes e famosos. E por último precisamos cuidar das nossas crianças. A infância é quando nossas mentes estão mais vulneráveis aos traumas que influenciam na forma como iremos lidar com a vida adulta.  


Tamires Moreira
Psicóloga e Psicanalista
16 99617 9482

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