A quem pertence o desejo do sujeito contemporâneo?
Ando pensando que nosso desejo sexual tem dono. Freud chocou a sociedade escancarando a repreensão sexual e suas consequências no início do século passado. As mulheres frígidas, histéricas, os homens neuróticos obsessivos, neurastemicos. A psicanálise vem se ocupando desse assunto (e de outros) há mais de um século.
O que mudou? A gente transa com mais ou menos liberdade depois de mais de 100 anos após a publicação de Três ensaios sobre a teoria sexual? Nos utilizamos tanto da repressão sexualmente quanto aquela sociedade em que Freud criou a psicanálise? Conseguimos fruir do sexo sem desenvolver tantos sintomas? Apesar da maior liberdade que conquistamos para falar sobre o sexo, hoje ainda, muitos assuntos são tabus. Pensando sobre a nossa realidade em 2024, me pergunto: se pudéssemos comparar a vida sexual das pessoas há 100 anos atrás, será que hoje falamos demais e fazemos menos?
Após a revolução industrial, as horas estão cada vez mais apertadas, os dias passam cada vez mais rápido e as pessoas estão cada vez mais esgotadas. O desejo se volta para as novas possibilidades oferecidas pela contemporâneidade e assume cada vez mais o seu lado canibal. Queremos possuir e, se não possuímos, pelo menos que se possa parecer, dar a ideia de ser, de ter. Quantas pessoas você conhece que se endividaram para ter um carro do ano? Ou até roupas e acessórios da moda? Ou cheia de procedimentos estéticos? Então o desejo é que o outro me perceba como possuidor? Poderoso? É ter o olhar cobiçador do outro? Freud diria que esse desejo está desviado de sua meta, é perverso, não é genital.
A quem serve essa dinâmica social? O desejo é direcionado, manipulado, uma ferramenta para aumentar as vendas e também a produção. O nosso desejo foi tirado de nós e colocado a serviço do mercado.
Nos tornamos a sociedade do espetáculo. Queremos atrair olhares, inveja, queremos comprar uma identidade. Para isso trabalhamos mais e mais. Ficamos cada vez mais cansados, a libido vai embora. Temos a sensação de sermos vazios. Somos depressivos e ansiosos. Tristes. Mas para o sofrimento se dá jeito: pra cada sofrimento uma pílula. A pílula diminui mais a libido. Mas também temos uma solução encapsulada pra isso que funciona por algum par de horas. O desejo está enterrado. Não se sabe mais qual é, para onde foi, se vai voltar ou não.
Chego a conclusão de que um século após o nascimento da psicanálise o desejo tem sido cada vez mais reprimido. Ele é perigoso. É preciso transar menos para produzir mais. É preciso desejar o que o mercado quer vender. É preciso não desejar para que a indústria lhe diga o que você precisa comprar e lhe entregue soluções em potinhos que custam muita grana. No meio desse atropelo todo a psicanálise de coloca de novo como antagonista. Aos psicanalistas cabem desenterrar o desejo e o colocar na mão do sujeito em análise para que ele decida o que fazer com ele. Por esse motivo, a psicanálise continua a ser muito atacada. Foi-lhe excluído o lugar de ciência. Afinal, a ciência também precisa estar a serviço do mercado.
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