Desconexão Consciente: O Impacto das Telas na Criatividade e no Pensamento Crítico
Recentemente, ouvi uma psicóloga e uma neurocientista, Anna Lúcia Spear King e Suzana Herculano-Houzel respectivamente, no Podcast O Assunto, falarem sobre os impactos das telas em nosso cérebro. Elas diziam que o problema não é apenas o excesso de dopamina, que nos vicia em uma busca constante por prazer imediato, mas também as alterações nas redes neuronais. Nosso cérebro é plástico, ou seja, ele se adapta e cria novos caminhos sempre que aprendemos algo. Com o uso excessivo das telas, essas redes são modificadas, prejudicando nossa concentração, aprendizado e capacidade de lidar com a gratificação adiada.
Ao refletir sobre isso, percebi o impacto que as telas têm tido em minha vida. Apesar de usar as redes sociais para divulgar meu trabalho, notei que gastava muito tempo “desligando meu cérebro” — com a desculpa de relaxar ou me recompensar após um dia difícil. Decidi, então, realizar uma experiência: reduzi gradualmente o tempo que passava nas redes sociais. O processo foi desafiador, mas trouxe descobertas que quero compartilhar.
Primeiramente, percebi que meu dia passou a ter mais tempo livre. Aqueles momentos em que geralmente pegamos o celular — na sala de espera do médico, no transporte público ou aguardando um compromisso — tornaram-se espaços de vazio. Inicialmente, esses minutos geraram ansiedade. No entanto, ao resistir à tentação de pegar o celular, algo surpreendente aconteceu: percebi quanto as telas estavam roubando o meu tempo precioso de pensar. As redes sociais, que ironicamente têm pouco de “sociais”, nos afastam de nossas próprias mentes.
Preencher cada intervalo com vídeos curtos e conteúdos imediatos nos priva de momentos de introspecção. Sem espaços de “vazio” mental, nossa criatividade é ameaçada. Esses momentos de silêncio são fundamentais para gerar ideias novas, encontrar soluções e desenvolver opiniões críticas. À medida que me desconectei, percebi um aumento na minha criatividade e passei a valorizar mais o silêncio mental.
Sigmund Freud (1911) sugeriu que somos guiados pelo princípio do prazer, e as redes sociais exploram isso de forma magistral. Ao buscar gratificação instantânea, nos tornamos mais propensos a repetir comportamentos mecânicos e menos capazes de enfrentar desafios ou aceitar diferenças. A superficialidade desse consumo afeta não apenas nosso bem-estar individual, mas também a dinâmica social, favorecendo a eleição de líderes inadequados e a consolidação de discursos radicais.
Minha experiência de desconexão revelou não apenas o impacto das telas no meu dia a dia, mas também a necessidade de enfrentarmos essa dependência de forma consciente. Embora a tecnologia traga benefícios inegáveis, o tempo gasto no universo virtual pode estar ligado a mecanismos de defesa contra a realidade, como descrito por Freud (1911) em suas teorias sobre a neurose. Minha ideia é a de que há uma fuga ou recusa de partes da realidade incomodas da vida e nesse vazio colocamos as redes sociais, os jogos, ou seja as telas em geral. Em casos extremos, essa recusa da realidade pode levar à criação de realidades paralelas, como as vividas em jogos que imitam uma vida idealizada, se aproximando dos mecanismos de negação da psicose.
Não sou contra a tecnologia, mas questiono profundamente o uso que fazemos dela. Precisamos refletir sobre como estamos permitindo que nossas mentes sejam moldadas por esse consumo. Ao diminuir o tempo nas telas, descobri um desejo renovado de explorar projetos profissionais e viver experiências no mundo real. Reconheço que distanciar-se do virtual exige coragem, mas os benefícios — como maior criatividade, autonomia e conexões significativas — superam os desafios.
Convido vocês a experimentarem esse distanciamento, nem que seja por curtos períodos. Não é apenas uma questão de produtividade, mas de recuperar nossa capacidade de pensar por conta própria, de criar, de viver. Afinal, o mundo real é infinitamente mais rico e desafiador do que qualquer tela.
Referências
NERY, Natuza. Bain Rot: a exaustão que marcou 2024. Parcipação: Anna Lúcia Spear King e SuzanaHerculano-Houzel. O Assunto, São Paulo, 22 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/. Acesso em: 22 jan. 2025.
FREUD, Sigmund. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911). Tradução de Paulo César de Souza. In: _______. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia e outros trabalhos (1911-1913). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 213-222.
FREUD, Sigmund. Neurose e psicose. Tradução de Paulo César de Souza. In: _______. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia e outros trabalhos (1911-1913). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 167-174.

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